Rascunho de Crônica #1

Rascunho de Crônica #1
São mais ou menos 22:00, ou 23:00 de uma sexta-feira, ele não sabe ao certo.
Na verdade, a única coisa que importava era a temperatura da cerveja.
Após uma semana monótona e de porre, o velho segue o ritual de passar horas ao balcão do bar em frente a sua casa bebendo e fumando seu fiel companheiro, Marlboro.
Ninguém sabe ao certo quem é esse senhor de rosto abatido e cansado, mas a única certeza é de que ele mora no bairro muito antes dos outros moradores e frequentadores de barzinhos.
Sempre a mesma rotina, adentrava o mesmo bar da cidade baixa quando o sol morria, sentava na mesma cadeira e, calado, levantava seu dedo enrugado para pedir um copo de cerva.
Depois que os clientes iam embora ele fazia companhia para os funcionários que limpavam o local antes de fechar.
Uns moradores mais velhos dizem que ele era um médico que veio de São Paulo para Salvador há muito tempo, mulher e dois filhos vieram e depois partiram.
Restando somente o homem com sua melancolia.
A julgar pela sua roupa, o senhor não aparenta ser pobre, mas mesmo assim, mora numa casa antiga e carcomida pelo tempo e a falta de cuidados.
Talvez ele não tivesse mais nada a perder ou simplesmente não havia ninguém pra cuidar dele.
Era um poço velho de mistérios, aquela figura.
Após o bar fechar, ele se endireita e segue o caminho de casa, olha para o céu que por sinal estava muito bonito aquela noite, sente os declives da rua de paralelepípedos sob seus pés e suspira como se estivesse se despedindo daquele ambiente onde passou a maior parte da sua vida.
Abre a porta de madeira com uma chave de ferro, coloca seu chapéu no cabideiro e vai se lavar.
Sobe as velhas escadas para o quarto, como se estivesse subindo para o calvário, os degraus rangem tanto quanto suas costas alquebradas, na parede há porta retratos que não te deixam esquecer um passado remoto e distante.
Deita-se no colchão desbotado e um filme passa pela sua cabeça antes que suas pálpebras pesadas fechem.
Imagina seus filhos formados e casados, talvez com outros filhos.
Quem sabe.
Imagina se ele os veria de novo, se eles procurariam por um bêbado falido que só tinha arrependimentos para oferecer, e então, o devaneio é cortado pelo som do telefone, e o velho com muito esforço se levanta para atender:
-Alô? – O velho pergunta com sua voz áspera
- Pai? – Diz uma voz mais jovem do outro lado
Com uma lágrima escorrendo pelo rosto, o dúbio senhor sorri pela primeira vez em muitos anos.
E as paredes velhas, e a louça de encardida guardada nos armários mofados e todos aqueles retratos de gente sorrindo, ganham vida novamente.

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